por Malalaï Joya, ZMagazine, 16.5.2009
tradução de Edu Montesanti

“Esse massacre oferece ao mundo um relance aos horrores enfrentados por nosso povo”. Malalaï Joya, deputada afegã expulsa do Parlamento por suas críticas à ocupação e aos senhores da guerra, desceve um dos últimos massacres do ejército de ocupação norte-americano em que morreram 164 pessoas

Como representante eleita de Farah, Afeganistão, levanto minha voz aos que condenam os bombardeios da OTAN que provocaram mais de 150 mortes civis em minha província, no início de maio de 2009. Este último massacre é una janela com vistas aos horrores que acarretam nosso povo.

Contudo, como detalhei na conferência de imprensa no último 11 de maio em Cabul, as autoridades militares dos EUA não querem que vocês presenciem esta realidade. Como de costume, tratam de reduzir o número de vítimas, mas tenho a informação que confirma que os bombardeios assassinaram 164 civis. Um jovem totalmente abatido, pertenecente à castigada aldeia de Geranai, narrou durante a conferência de imprensa que havia perdido 20 familiares no massacre.

A Comissão enviada pelo governo afegão, no entanto, parece ter fracassado ao omitir na lista de vítimas as crianças menores de três anos assassinadas. A Comissão governamental não está disposta a publicar sua lista e chegou ao povoado três dias depois do massacre, quando os que sobreviveron já tinham enterrado as vítimas en buracos comuns. Como pode se faltar com respeideste modo pela preciosa vida dos afegãos?

Recentemente os meios informaram sobre a sustitução do chefe militar estadounidense no Afeganistão, mas creio que estamos sozinhos diante de uma nova artimanha para enganar nosso povo e responsabilizar uma única pessoa pela desastrosa estratégia no Afeganistão.

O embaixador afegão nos EUA disse em uma entrevista no Al-Jazeera que se se desse “uma desculpa adequada”, então a gente compreenderia as mortes de civis. Mas ao povo afegão não só quere escutar desculpas. Pedimos que se termine a ocupação do Afeganistão e que cessem os crimes de guerra.

As manifestações de estudantes e outras pesoas comuns contra estes últimos ataques aéreos, assim como o protesto do mês passado de centenas de mulheres afegãs em Cabul, mostram ao mundo o caminho a seguir para conquistar uma democracia autêntica no Afeganistão. Apesar do assédio e as ameaças, as afegãs saíram às ruas para exigir a abolição da lei que legaliza o estupro dentro do matrimônio e regula a opressão das mulheres xiitas em nosso país. Se diz que os ataques aéreos dos EUA oferecem segurança ao povo afegão e que a ocupação protege as mulheres afegãs, mas a realidade é exatamente o contrário.

Esta infame lei de hoje não é mada mais, senão a ponta de um iceberg, a catástrofe dos direitos da mulher em nosso país ocupado. O sistema em sua totalidade, e muito especialmente o poder judicial, está infectado pelo virus do fundamentalismo. No Afeganistão há impunidade para cometer crimes contra as mulheres. As cifras de sequestros, estupros coletivos e violência doméstica são de arrepiar e mais altas que nunca, como também a quantidade de mulheres que se imolan. Desgraçadamente, as mulheres afegãs preferen atirar-se ao fogo em vez de ter que suportar o inferno em vida sob o sol de nosso país ‘livre’.

A Constituição do Afeganistão inclui dispositivos relativos aos direitos da mulher. Eu fui uma das delegadas que pressionou a fim de inclu-i-las na Loya Jirga [Congresso afegão] de 2003. Mas este documento de fundação do “novo Afeganistão” também esteve marcado pela forte influência dos fundamentalistas e dos senhores da guerra, com quem Karzai e o Ocidente se tornaram cúmplices desde o princípio.

De fato, esta nova lei contra a mulher não me surpreendeu ao mínimo. Quando os EUA e seus aliados sustituíram aos taliban pelos antígos e conhecidos senhores da guerra e fundamentalistas da Aliança do Norte, vi claramente que sairíamos do fogo para ir a frigideira.

Nos últimos anos dispomos de um grande surto de leis e decisões judiciais vergonhosas. Por exemplo, temos a repugnante lei aprovada sob o pretexto da “reconciliação nacional” que outorga imunidade judicial aos senhores da guerra e a conhecidos criminosos, muitos dos quais se sentam no Parlamento afegão. Quando se aprovou, os meios de comunicação mundiais e os governos fizeram vista grossa.

Minha oposição à dita lei é uma das razões pelas quais, em maio de 2007, fui expulsa de meu trabalho no Parlamento de Cabul, na qualidade de deputada eleita pela província de Farah. Mais recentemente, produziu-se a escandalosa condenação a vinte años, ditada contra Parvez Kambakhsh, um jovem cujo único delito foi a suposta distribuição de um comunicado dissidente em sua universidade.

Estão chegando ao Afeganistão cada vez mais tropas dos EUA e da OTAN, segundo nos contam, para ajudar a garantir as próximas eleições presidenciais. Mas a verdade é que o povoo afegão não alimenta esperança nenhuma nesses comícios. Já sabemos que não pode haver uma democracia verdadeira sob as armas dos senhores da guerra, a máfia do tráfico de drogas e a ocupação.

Com exceção de Ramazán Bashardost, a maioria dos outros candidatos são caras conhecidas e desacreditadas, que já fizeram parte do governo mafioso de Hamid Karzai. Sabemos que um títere pode ser sustituido por outro títere, e que o ganhador destas eleições serão, sem dúvida, o que se decida a portas fechadas entre a Casa Branca e o Pentágono. Em resumo, creio que estas eleições presidenciaies não são nada mais que outra comédia para legitimar ao futuro títere dos EUA.

Como no Iraque, a guerra não trouxe a liberdade ao Afeganistão. Nenhuma das dos guerras tem sido um combate para conquistar a democracia ou a justiça, nem para eliminar grupos terroristas, mas ambas as agressões tinham e têm como origem os interesses estratégicos dos EUA na región. Nós, as pessoas afegãs, nunca aceitamos o conjunto de peões no “Grande Jogo” do Império, como já ficaram sabendo os britânicos e os soviéticos no século passado [leia mais sobre isso em Breve História e Atualidades do Afeganistão, na seção Histórias Mundiais].

É uma pena como os meios de comunicação ocidentais têm escondido a realidade afegã em apoio à ideia da “guerra boa”. Talvez se os cidadãos dos EUA estivessem melhor informados sobre meu país, o presidente Obama não teria se atrevido a enviar mais tropas e gastar o dinheiro dos contribuintes en uma guerra que só está acrescentando sofrimento a nosso povo e que leva a região a conflitos cada vez mais profundos.

Nem a nova chegada de tropas extrangeiras no Afeganistão, nem o prolongamento dos ataques aéreos trarão liberdade às mulheres afegãs. A única coisa que farão é aumentar o número de vítimas civis e estender a resistência à ocupação.

Para ajudar realmente às mulheres afegãs, o povo dos EUA e de outros lugares têm que exigir de seus governos que deixen de apoiar e encobrir um regime de caudilhos e extremistas. Se estas gangues fossem finalmente entregues à justiça, as mulheres e os homens do Afeganistão demonstraríamos que somos muito capazes de prestarrnos ajuda sen ingerências.